quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Um sorriso sincero

Minutos, segundos, instantes. No momento em que ocorrem, estas palavras são a pura definição de alguns acontecimentos, aos quais você só passa a dar valor depois que se tornam passado. Pode ser pela maturidade, ou pelo simples fato de se poder refletir a respeito apenas alguns instantes depois, quando se examina melhor o que aconteceu olhando para os resquícios de memória ainda frescos.
Um momento assim ocorreu comigo, ainda em meus tempos de cursinho, quando o conteúdo do vestibular é a única coisa que importa. Quando todos pensamos estar prontos para a vida adulta, mas estamos apenas amadurecendo.
Em mais uma de minhas viagens cursinho-casa, realizada a pé, estava eu lamentando o fato de não ter passado no maldito vestibular logo na primeira tentativa. Reclamando mentalmente do sol forte, que tornava o deslocamento ainda mais cansativo. Xingando baixo porque a barra das minhas calças insistiam em entrar embaixo do sapato.
Já na rua de casa, quando minha mente pensava no hall refrescante do prédio e rezava para que o elevador estivesse me esperando (para que eu não tivesse o angustiante trabalho de esperar por ele ou subir de escada), um objeto, que meus olhos não identificaram de primeira, cruzou a minha frente, rolando pela calçada em direção à rua.
Ao perceber o que era, eu - quase automaticamente - abaixei para juntar. Era uma garrafa de óleo, daquelas "pet", vazia. Juntei a garrafa e me virei para colocá-la no latão de lixo. Para minha surpresa (ou talvez até já esperasse por isso), um garoto, daqueles com idade para estar na escola ou em casa brincando, largou seus afazeres junto aos sacos de lixo e estendeu a mão para receber a garrafa da minha. O fato em si não me surpreende tanto, pois conheço (e abomino) a dura realidade da desigualdade social. O que não sai da minha mente até hoje é o sorriso que recebi em troca de um gesto tão banal.
Um sorriso sincero, animado e ingênuo. Atrevo-me a dizer que foi o sorriso mais convincentemente sincero que já recebi em toda a minha vida.
Não sei se posso descrever fielmente, com palavras, o sentimento que tenho ao lembrar desse acontecimento. Sinto vergonha das minhas reclamações, nojo do meu egoísmo e indignação pelas circunstâncias. O menino que marcou para sempre minha vida poderia estar sorrindo por receber um presente, um livro, um prato de comida, um abraço. Porém, o gesto que eu considerei banal foi o suficiente para extrair aquele sorriso.
Só lamento poder enterder a importância disso somente agora, quando não posso mais encontra-lo e agradecer pela injeção de maturidade.