segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O grau de nossa dependência

Só entrei pra postar esse texto, que eu achava que estava perdido, mas encontrei em pastas escondidas no PC. Foi produzido para o Jornal Comunicação Impresso de 2009, que nunca foi impresso. Esse texto, portanto, nunca saiu do meu computador ou do computador do meu editor.
Fala de um desafio pelo qual eu passei, de ficar cinco dias sem tecnologia.
Aí está:

O GRAU DE NOSSA DEPENDÊNCIA

Os meus dias costumam depender diretamente de meios de comunicação. Acordo pela manhã ao som das notícias matinais no rádio, incluindo previsão de tempo e informações de trânsito (que seriam mais úteis caso tivesse carro). Uma checada rápida na caixa de entrada do e-mail antes de sair de casa é fundamental para saber se terei alguma atribuição relativa à faculdade ou ao próprio jornal laboratório. Uma vez ouvi (minto, li na lista de e-mails) de outro estudante mais experiente que “nós somos estudantes de comunicação e não há desculpas para não olharmos os e-mails mais de duas vezes por dia”. É a dura sina de quem optou por estar relacionado aos meios de comunicação para o resto da vida.

Não sei que motivo me levou a aceitar o desafio de passar cinco dias inteiros sem utilizar meios de comunicação. Talvez seja para saber o meu grau de dependência da tecnologia. Ou, quem sabe, para divertir os meus futuros leitores com a minha angústia. Fato é que tive que me desligar do mundo por 120 horas.

Optei por começar a carregar essa cruz numa sexta-feira de manhã. Passar um fim de semana incomunicável parecia mais desafiador. Olhei meu e-mail pela última vez por volta das dez horas. Durante o resto do dia, evitei o contato visual com a telinha brilhosa e hipnotizante da televisão. Desliguei o meu celular e abandonei-o na gaveta do guarda-roupa. Preparei minha mente e meu corpo para resistir à tentação de sequer entrar na sala do computador.

Os problemas começaram a surgir já na sexta à noite. Como se não bastasse o som do noticiário esportivo que vinha da televisão - que pela primeira vez na vida eu percebi que se assemelhava ao canto das sereias - o dia seguinte me reservava a possibilidade de ir ao aniversário de um grande amigo. E, como ficamos de combinar por MSN onde seria a comemoração, fiquei a ver navios. No final das contas, uma gripe fulminante e cambaleante me derrubou na cama, onde passei o sábado inteiro. Acho que os sintomas da crise de abstinência de Orkut começavam a aparecer.

Chego ao domingo de maneira incomum. Como não saí e nem fiquei conversando pela internet no sábado até mais tarde, levantei da cama às oito horas (quase de madrugada, para os meus padrões). Tomei café e fui ler algum livro até o resto da família acordar e eu começar a me ocupar. Foi quando o segundo grande problema surgiu: como farei para acompanhar o jogo do Atlético? Sem TV, sem rádio, sem internet. O jeito é desembolsar o valor do ingresso (meu e do meu irmão mais novo, que não me permitiu ir ao jogo sozinho) e rezar pela sorte.

Acabou que a vitória do meu time (3x2 sobre o Internacional) me deixou mais animado e comecei a ver essa difícil tarefa com bons olhos. Um mundo de novas atividades passou a figurar em minha cabeça e a mudar minha rotina. Conversei com muita gente sobre a tarefa e ouvi diversas histórias e comentários.

Uma moça muito simpática me contou a história de sua mãe, que costumava freqüentar a casa de uma tia para reunir-se na varanda com as outras mulheres da família e simplesmente conversar sobre assuntos diversos. Quando ela e o resto da família adquiriram o revolucionário aparelho televisivo e foram inseridas no mundo das telenovelas, essas conversas nunca mais ocorreram.

Ouvir aos diálogos de outras pessoas no ônibus também foi interessante. Geralmente, o som que embala minhas viagens sai do fone de ouvido ligado ao celular. Dessa vez, fui obrigado a escutar os pedidos de doações e o sistema de som desregulado do biarticulado que anunciava equivocadamente os nomes das “próximas paradas”.

No final das contas, segunda e terça-feira passaram mais rapidamente do que eu imaginava e não me mostraram muitas novidades. Apenas impuseram dificuldades de me comunicar com meu pai, que precisava de ajuda no “negócio da família” (um bar no Água Verde) e não tinha como me ligar. Não que eu realmente lamentasse esse fato, mas como eu sabia que ele precisaria de um auxílio, eu me deslocava até o bar por livre e espontânea vontade. Lá, tinha que resistir à tentação da televisão e esquivar-me das conversas que envolviam os acontecimentos recentes noticiados na TV, no rádio e na Internet. Tenho a impressão de que ouvi, de relance, os termos “gripe” e “José Sarney”. Só fui entender alguns dias depois.

O fato de estar incomunicável, e ninguém conseguir entrar em contato comigo sem que me abordasse pessoalmente dava-me uma sensação de liberdade e independência. Comecei a notar que são os aparelhos de comunicação que precisam de mim para funcionar, e não o contrário. Pode parecer óbvio, mas apenas quem passar por isso vai entender do que estou falando.

O som da televisão, antes semelhante ao canto das sereias, passou a constituir um ruído incômodo e dispensável. O celular, até então imprescindível, passou a representar um luxo, uma futilidade. A internet, que eu considerava quase uma condição de sobrevivência, passou a figurar entre as simples ferramentas de trabalho ou de entretenimento. Assim como os livros se mostraram muito mais prazerosos que os fóruns do Orkut ou os vídeos do Youtube.

Fui dormir na terça-feira com a sensação de dever quase cumprido. Faltavam algumas horas para abandonar a tarefa. Acredito que mais surpreendente do que passar cinco dias sem comunicação foi recuperar, assim de uma hora para outra, todo o contato com a tecnologia. Liguei o meu celular e guardei no bolso. Nada de novo, apenas dois números que “ligaram e não deixaram recado”. Sentei na cadeira em frente do computador e senti um estranho conforto. Posicionei a minha mão no mouse e notei como aquele pequeno aparelho se conecta ao nosso corpo parecendo fazer parte de um sexto sentido chamado “hardware”.

Abri minha caixa de e-mails e vi, logo de cara, que algumas páginas eram dedicadas a novas mensagens. Demorei mais tempo filtrando o que prestava do que lendo o que realmente importava. Várias conversas da lista de e-mails, várias propagandas e boletins ultrapassados de sites noticiosos.

As manhãs que eu ocupei lendo e conversando nos dias anteriores deram lugar ao simples hábito de saber as notícias do dia e limpar a caixa de entrada. As noites bem dormidas deram lugar a conversas por MSN que se estendiam até de madrugada. E isso foi fazendo com que as manhãs seguintes fossem ainda menos aproveitadas.

Não vou ser hipócrita a ponto de dizer que vou passar a usar menos a tecnologia. Não. Minha futura profissão não me permite esse luxo. Mas vou começar a fazer esse tipo de jejum durante as férias. E, quem sabe, realizar as atividades citadas nesse texto sem que seja necessário haver uma desculpa para isso.